05/08/2008

ATUALIDADES - Como melhorar a educação? A lição dos rankings educacionais

A maioria das escolas ficou congelada desde o século XIX. Até hoje elas aplicam conceitos idênticos aos daqueles colégios concebidos para tornar as pessoas compatíveis com a era industrial. Um de seus pilares é a divisão do conhecimento por áreas estanques e incomunicáveis. O outro é o treinamento para a execução de tarefas repetitivas. Enquanto focam demais em idéias do passado, as escolas deixam de mirar em uma questão-chave e bem mais atual: o fundamental é que as pessoas aprendam a aplicar esse conhecimento em novas e avançadas áreas – e que não apenas o tenham armazenado. (Andreas Schleicher, físico alemão, responsável há oito anos pelo PISA, em entrevista a revista Veja)

Schleicher tem condições de afirmar que as escolas, em sua maioria, estão congeladas desde o século XIX. Acompanhando a evolução do ensino mundial a partir dos dados coletados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), como coordenador geral do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), o físico alemão está atualizadíssimo quanto as informações dos 57 países que participam destas provas e mais, está indo além disso, já tendo visitado mais de 100 países para visitar escolas e conversar com autoridades e responsáveis pela educação.

E o que afirma esse especialista quanto aos estudantes que estão sendo formado pelas escolas brasileiras? De acordo com Schleicher, as provas aplicadas pela OCDE demonstram que os estudantes brasileiros “demonstram certa habilidade para decorar matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real”.

Somente essa afirmação já é bastante sintomática e grave para que atentemos muito para ela. O “decorar matéria” ainda prevalece e, a sua permanência como pedra angular de estruturação e funcionamento do sistema educacional brasileiro é o primeiro sinal do grande atraso que estamos vivendo. Os alunos apenas memorizam informações para que tarefas imediatas, relacionadas a sua sobrevivência nos cursos que estão fazendo, lhes garantam o sucesso necessário a tal circunstância. Na prática significa dizer que sabem o conteúdo para fazer algumas tarefas, trabalhos e, principalmente, avaliações. Depois disso, sem ver qualquer valor ou utilidade prática nestes conhecimentos para suas vidas, os descartam...

Não conseguem, como o próprio Schleicher diz, “estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real”... E a falta de conectividade entre aqueles saberes e a vida extra-escolar, praticamente condena a escola, aos olhos de seus alunos, a ser um ambiente cada vez menos interessante e necessário. Não são poucos aqueles que estão nas salas de aula apenas para conseguir os diplomas e históricos escolares, requisitados para obter empregos, sem entender que há muito mais na educação do que documentos que dão acesso as benesses do mundo real...

“Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática”, prossegue o físico alemão que coordena o PISA. Suas palavras sintetizam justamente aquilo que mais parece faltar na educação brasileira, ou seja, o trabalho educacional que emancipa o aluno, tornando-o capaz de pensar por si próprio, articulando suas próprias idéias a partir do uso das ferramentas que lhes são concedidas pelas escolas, pautadas no conhecimento formal, de bases científicas.



Mas como fazer com que isso se torne realidade? Afinal de contas, os índices e rankings nacionais e internacionais estão escancarando a realidade da educação nacional e ainda assim continuamos sem saber ao certo o que pode e deve ser feito para efetivamente melhorar nossas escolas.

Estive há alguns dias envolvido com palestras para professores de duas diferentes redes municipais de ensino do interior do estado de São Paulo. Abordei temas tão distintos quanto a criatividade em sala de aula, o cinema na escola e o uso dos blogs em educação. Apesar de diferentes, os temas tinham em comum o interesse e a disposição de apresentar para os educadores alguns elementos fundamentais rumo a uma educação de melhor qualidade.

O primeiro deles é a convicção de que a resposta para a questão da qualidade da educação está nos próprios professores. Tanto no aspecto individual quanto no coletivo. Passa, em primeiro lugar, por uma indispensável revisão e autocrítica, que exige enorme maturidade por parte de quem a realiza. Ser capaz de olhar para dentro, perceber as dificuldades e problemas, a necessidade de atualização e estudo e, principalmente, de planejar e efetivar as mudanças é uma das mais complexas realizações humanas...

Reconhecer erros. Identificar problemas. Buscar soluções. Planejar novos caminhos. Tudo isso deve ser feito a partir de um constante intercâmbio. Na própria escola em que o professor leciona isso não tem acontecido. Menos ainda em relação às outras escolas do município. E são poucos ainda os heróis que buscam informações alhures, ou seja, em regiões e locais com os quais não tem proximidade geográfica alguma...

Numa das palestras que realizei disse aos professores que “internet” significa, literalmente, “entre redes”. Perguntava antes a alguns deles, todos membros de uma mesma rede de ensino, se conheciam os demais colegas que participavam do encontro. Ninguém respondeu afirmativamente esta questão. Não se conheciam. Muito menos sabiam o que os outros estavam realizando em sala de aula...

Perguntei-lhes se não seria útil conhecer práticas alheias bem-sucedidas para aplicar em suas salas de aula. Todos assentiram, ou seja, concordaram com a idéia. Disse a eles então que uma idéia bastante interessante seria criar blogs de suas escolas, construí-los coletivamente (todos os professores teriam acesso e poderiam abastecer essa página), divulgar entre as outras escolas da rede e, a partir disso, começar a “trocar figurinhas”. Questões metodológicas, disciplinares, de conteúdo, novas referências, programação de atividades cívicas e culturais, recursos tecnológicos e tantas outras questões poderiam ser sugeridas ... Todos poderiam aprender e crescer juntos... Até os alunos poderiam ser beneficiados...



E quando li a entrevista de Schleicher à revista Veja, eis que me deparo com a seguinte afirmação desse reputado especialista: “Ao ficarem circunscritos às suas fronteiras e resistirem à idéia de aprender com a experiência alheia, os países estão movidos por uma espécie de orgulho patriótico sem sentido. O pensamento geral é algo como: ‘Cada um sabe o que é melhor para suas salas de aula’”.

Transferindo-se essa afirmação para a sala de aula, já que as referências de Schleicher são nacionais, percebemos que as diferenças praticamente inexistem, ou seja, não são apenas os países que estão “circunscritos às suas fronteiras” e que resistem a “aprender com a experiência alheia”, achando que sabem “o que é melhor para suas salas de aulas”... Também os professores fazem isso e, de certa forma, os países apenas são reflexos dessa prática microscópica exercida por cada um dos educadores em sua respectiva escola e sala de aula.

Nesse sentido, é válido lembrar também que Schleicher defende a idéia da valorização da carreira de professor e a criação de incentivos para que mais e melhores estudantes optem por fazer cursos na área da educação. E valorizar significa não apenas aumentar salários aleatoriamente, mas reconhecer esforços relativos a cursos de atualização, assiduidade, utilização em aula das novas tecnologias, intercâmbio de idéias, pontualidade, participação em eventos e reuniões...

Até mesmo a resistência aos rankings nacionais e internacionais deve ser vencida. Estudos como o PISA, o IDEB ou o Saresp, apenas para mencionar alguns mais em evidência, não foram criados para condenar escolas e profissionais, mas para mensurar a evolução da educação e criar critérios lógicos e racionais que orientem uma necessária reengenharia da educação rumo a tão sonhada educação de qualidade...

João Luís Almeida Machado Editor do Portal Planeta Educação; Doutorando em Educação pela PUC-SP; Mestre em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP); Professor Universitário e Pesquisador; Autor do livro "Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema" (Editora Intersubjetiva).Fonte: http://www.planetaeducacao.com.br:80/novo/artigo.asp?artigo=1216

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